"O Capital é um Vampiro"
O capitalismo mudou em profundidade as relações entre as classes sociais.
Nos modos de produção anteriores, as classes trabalhadoras - escravos, servos feudais - eram sujeitadas através de meios não econômicos. E o mercado, embora existisse desde a Antigüidade, jogava um papel marginal: e produção, em geral, visava o consumo direto e não a comercialização.
No capitalismo, o mercado se agigantou até tornar-se a espinha dorsal de toda a economia. O mundo virou uma enorme feira livre global, onde tudo está à venda. À primeira vista, tanto o proletário como o burguês comparecem a esta feira em igualdade de condições: o primeiro é vendedor e o último comprador de determinada mercadoria - a força-de-trabalho. A contratação de um pelo outro é uma operação comercial como tantas outras. O burguês compra a força-de-trabalho de que precisa e paga o proletário com um salário.
Só o trabalho humano opera o "milagre da produção"
O valor da força-de-trabalho acompanha a lei do valor: como qualquer mercadoria, a força-de-trabalho vale o equivalente ao trabalho socialmente necessário para produzi-la, ou seja, no caso, para alimentar, vestir, abrigar e, numa palavra, manter vivo o assalariado e sua família. Se a força-de-trabalho é qualificada, o salário é maior, pois deve cobrir também os custos da qualificação do assalariado.
De posse da força-de-trabalho que comprou, o capitalista emprega-a no seu negócio - por exemplo uma indústria de tecidos. Ali já se encontram outras mercadorias, igualmente adquiridas na feira livre do mercado, o galpão da fábrica, os motores, os fusos, os teares, e a matéria-prima, algodão, lã, linho. Nosso proletário e seus colegas são postos para operar as máquinas, fiar, cardar, tecer, em uma palavra, produzir.
O trabalho humano opera aí o que poderia se chamar "o milagre da produção": ele cria valor. Sozinha, nenhuma das outras mercadorias que o burguês comprou teria esta capacidade. Mas o tecido fabricado pelas mãos e pelas mentes dos trabalhadores vale mais que a matéria-prima, mais o combustível, o desgaste das máquinas, etc., mais os salários.
Marx mostrou o mecanismo oculto da mais-valia
O valor assim criado forma o lucro do burguês, e a taxa de lucro é a relação entre ele e o capital investido. Porém a produção capitalista traz embutida uma outra relação, que Marx trouxe à luz em obras como Trabalho assalariado e capital, Salário, preço e lucro e principalmente O capital. Marx considerou a matéria-prima, o combustível, o desgaste das máquinas, etc. como capital constante, que, sozinho, não cria valor. E analisou o capital variável, agregado pelo trabalhador: uma parte é gasta no pagamento do salário; mas outra, embora criada pelo proletário, vai para o bolso do burguês, engordar seu capital. Esta segunda parte é a mais-valia; a taxa de mais-valia é a taxa da exploração do trabalho pelo capital.
Marx mostrou o mecanismo oculto dessa exploração. Explicou o porquê da acumulação crescente da riqueza, no pólo burguês, enquanto o pólo proletário só consegue o indispensável para sobreviver. "O capital - dizia - é trabalho morto, que, como um vampiro, só se anima sugando o trabalho vivo, e quanto mais ele suga mais alegre é sua vida".
Ao longo da segunda metade do século passado, essa análise foi convencendo parcelas crescentes do proletariado nos países onde o capitalismo se impunha. Quando Marx morreu, em 1883, milhões de trabalhadores já engrossavam os sindicatos e partidos operários de inspiração marxista.
Batismo de Fogo
A França em 1871 já vivia em grande medida em uma economia capitalista - embora a maioria da população vivesse no campo. Além disso, as transformações políticas burguesas tinham seguido ali um caminho radical e conturbado: a grande Revolução de 1792-1799, as Guerras Napoleônicas, a Revolução de 1830 e a de 1848 (ver o artigo 2 desta série). Em seu conteúdo básico esses movimentos tinham sido antifeudais, democrático-burgueses. Mas tinham também contado com maciça participação das classes trabalhadoras, inclusive o jovem proletariado francês, escolado como nenhum outro em insurreições e barricadas.
Apesar de tantas revoluções, o processo francês terminara truncado, desembocando no golpe de 1852 e no regime imperial "cesarista" (ditatorial) de Napoleão III. Em 1870 "Napoleão, o Pequeno" (apelido dado pelo escritor Victor Hugo) envolve-se numa desastrosa guerra com a recém-unificada Alemanha. Após a derrota estratégica de Sedan, o imperador cai, vem a República, mas a guerra continua e os alemães já estão às portas da capital. Os operários se armam, na Guarda Nacional, para defender Paris. Já o governo republicano de Thiers foge para Versalhes e assina um armistício com os alemães que é uma capitulação.
Uma semana de heroísmo até cair a última barricada
Uma tentativa de desarmar os operários precipita a insurreição. Em 15 de março de 1871 o Comitê Central da Guarda Nacional, em aberto desafio a Thiers, convoca a eleição do Conselho da Comuna, realizada dia 26. Os deputados eleitos ganham o mesmo que um operário comum e seus mandatos podem ser revogados a qualquer momento pelos eleitores. A influência marxista é minoritária no movimento, predominam os blanquistas.
O movimento começa a se estender às cidades de Marselha, Lyon, Toulouse e Saint-Étienne, mas a grande massa camponesa permanece apática. Já o governo de Versalhes, tão cordato no tratamento com o invasor alemão, trata os comuneiros a ferro e fogo. Thiers proclama, declara e repete que "a conciliação é impossível". O exército francês, com a ajuda das tropas alemãs que ainda ocupam os arredores de Paris, entra na cidade em 21 de maio. A resistência comuneira é heróica, mobilizando homens, mulheres, crianças. O combate desigual dura uma semana, até a queda das últimas barricadas nos bairros operários, dia 28. Desde o dia 24, começa o fuzilamento sumário dos revoltosos: o governo fala em 17 mil mortos, outras fontes em até 35 mil. Uma minoria (9.950 homens, 132 mulheres e 80 crianças) obtém o privilégio de comparecer aos conselhos de guerra, que decretam 270 condenações à morte e 7.523 à deportação.
Marx saúda a tentativa de "tomar o céu de assalto"
Termina assim, afogado em sangue, o primeiro e breve ensaio - apenas 74 dias - de um poder político dos trabalhadores. A burguesia européia - mesmo a mais liberal - aplaude a carnificina sem nenhum pudor. Já Marx e a Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional) saúdam a ousadia dos comuneiros ao tentarem "tomar o céu de assalto". Marx estuda detidamente a experiência no livrete A guerra civil na França, aprendendo com ela, especialmente, a necessidade da revolução "quebrar" a máquina estatal do velho regime, construindo um novo aparelho de Estado, com um novo conteúdo de classe.
A Comuna serve de batismo de fogo para a luta do proletariado. A onda repressiva se espalha por outros países e termina obrigando a dissolução da Internacional. Mas o heroísmo e a dignidade dos derrotados, em contraste com a sanha assassina dos vitoriosos, contribuem fortemente para lançar luz sobre "a guerra civil mais ou menos subterrânea" (palavras do Manifesto comunista) que dilacera a sociedade moderna.
Acúmulo de Forças
A fase entre a Comuna de Paris (1871) e a I Guerra Mundial (1914) foi de desenvolvimento relativamente pacífico do capitalismo. Uma burguesia cada vez mais possante enriqueceu "pacificamente", às custas de um proletariado cada vez mais numeroso. As guerras e revoluções ficaram confinadas na periferia do sistema.
O movimento operário inventa os partidos
Para o movimento operário e socialista esta foi uma fase de acúmulo de forças. O crescimento numérico e a relativa prosperidade industrial permitiam-lhe avanços, na economia e na política.
Os sindicatos cresciam em tamanho e prestígio. Greves e manifestações popularizavam - e, às vezes, impunham - a causa dos direitos trabalhistas, tendo como carro-chefe a luta pela jornada de oito horas: ao nascer, em 1890, o 1º de Maio era uma espécie de dia de greve geral internacional pelas oito horas. A extensão do direito de voto (embora quase sempre só para os homens) abria brechas para a participação dos trabalhadores na política institucional. A I Internacional dos Trabalhadores, sob forte perseguição policial, fora dissolvida em 1876, mas em 1889 nascia a II Internacional. Na sua base estavam os partidos operários, de orientação ou ao menos sob influência marxista, em geral adotando o nome de social-democratas. O padrão dos partidos modernos, do século 20, nasceu sobretudo dessas experiências.
O Partido Operário Social-Democrata da Alemanha (SPD), fundado em 1869, era o mais importante: mais sólido teoricamente, mais enraizado nos trabalhadores, nos sindicatos e entidades populares, com organização mais estruturada, imprensa mais ativa e uma legião de eleitores em rápido crescimento. Em 1871 o SPD tinha pouco mais de 1% do eleitorado alemão; em 1877, 7%. Em 1878-1890, o governo perseguiu-o com a lei contra o socialista, manteve encarcerado por cinco anos seu líder, August Bebel, mas o tiro saiu pela culatra: os votos social-democratas subiram para 20% do total em 1890 e 35% (110 deputados) em 1912.
Na virada para o século 20, o clima entre os socialistas era otimista: os trabalhadores continuariam crescendo em número, avançando em seus direitos, elevando sua consciência e organização… até realizar mais ou menos tranqüilamente, pela própria lógica desse avanço, a proposta do Manifesto comunista.
Surge o revisionismo: "O movimento é tudo…"
O conflito entre revolucionários e revisionistas mostraria que as coisas não eram tão simples. Ele veio à tona em 1899, quando o dirigente do SPD Eduard Bernstein publicou o livro O socialismo teórico e o socialismo prático.
Sem romper às claras com o marxismo, Bernstein pregava a revisão (daí o termo revisionismo) da sua essência revolucionária: julgava que o capitalismo se capacitara a superar suas crises, que o socialismo era possível mas não inevitável, e seria fruto da acumulação gradual e pacífica de pequenas conquistas. Seu lema - "O movimento é tudo, o objetivo, nada" - sintetizava o conteúdo de todas as tendências reformistas no movimento operário.
Contra Bernstein ergueram-se numerosas vozes, desde o então prestigiado Karl Kautsky e a jovem Rosa Luxemburgo, no próprio SPD, até Lênin, na Rússia. Ao menos na teoria, o marxismo revolucionário venceu essa primeira batalha contra o revisionismo. A fase de desenvolvimento relativamente pacífico do capitalismo levara o movimento a certa acomodação. Quando a I Guerra inaugurou uma nova fase, de turbulência e crise revolucionária, o dilema entre o caminho da revolução e o do reformismo retornou com toda força, abrindo a primeira grande divisão do movimento.
O capitalismo mudou em profundidade as relações entre as classes sociais.
Nos modos de produção anteriores, as classes trabalhadoras - escravos, servos feudais - eram sujeitadas através de meios não econômicos. E o mercado, embora existisse desde a Antigüidade, jogava um papel marginal: e produção, em geral, visava o consumo direto e não a comercialização.
No capitalismo, o mercado se agigantou até tornar-se a espinha dorsal de toda a economia. O mundo virou uma enorme feira livre global, onde tudo está à venda. À primeira vista, tanto o proletário como o burguês comparecem a esta feira em igualdade de condições: o primeiro é vendedor e o último comprador de determinada mercadoria - a força-de-trabalho. A contratação de um pelo outro é uma operação comercial como tantas outras. O burguês compra a força-de-trabalho de que precisa e paga o proletário com um salário.
Só o trabalho humano opera o "milagre da produção"
O valor da força-de-trabalho acompanha a lei do valor: como qualquer mercadoria, a força-de-trabalho vale o equivalente ao trabalho socialmente necessário para produzi-la, ou seja, no caso, para alimentar, vestir, abrigar e, numa palavra, manter vivo o assalariado e sua família. Se a força-de-trabalho é qualificada, o salário é maior, pois deve cobrir também os custos da qualificação do assalariado.
De posse da força-de-trabalho que comprou, o capitalista emprega-a no seu negócio - por exemplo uma indústria de tecidos. Ali já se encontram outras mercadorias, igualmente adquiridas na feira livre do mercado, o galpão da fábrica, os motores, os fusos, os teares, e a matéria-prima, algodão, lã, linho. Nosso proletário e seus colegas são postos para operar as máquinas, fiar, cardar, tecer, em uma palavra, produzir.
O trabalho humano opera aí o que poderia se chamar "o milagre da produção": ele cria valor. Sozinha, nenhuma das outras mercadorias que o burguês comprou teria esta capacidade. Mas o tecido fabricado pelas mãos e pelas mentes dos trabalhadores vale mais que a matéria-prima, mais o combustível, o desgaste das máquinas, etc., mais os salários.
Marx mostrou o mecanismo oculto da mais-valia
O valor assim criado forma o lucro do burguês, e a taxa de lucro é a relação entre ele e o capital investido. Porém a produção capitalista traz embutida uma outra relação, que Marx trouxe à luz em obras como Trabalho assalariado e capital, Salário, preço e lucro e principalmente O capital. Marx considerou a matéria-prima, o combustível, o desgaste das máquinas, etc. como capital constante, que, sozinho, não cria valor. E analisou o capital variável, agregado pelo trabalhador: uma parte é gasta no pagamento do salário; mas outra, embora criada pelo proletário, vai para o bolso do burguês, engordar seu capital. Esta segunda parte é a mais-valia; a taxa de mais-valia é a taxa da exploração do trabalho pelo capital.
Marx mostrou o mecanismo oculto dessa exploração. Explicou o porquê da acumulação crescente da riqueza, no pólo burguês, enquanto o pólo proletário só consegue o indispensável para sobreviver. "O capital - dizia - é trabalho morto, que, como um vampiro, só se anima sugando o trabalho vivo, e quanto mais ele suga mais alegre é sua vida".
Ao longo da segunda metade do século passado, essa análise foi convencendo parcelas crescentes do proletariado nos países onde o capitalismo se impunha. Quando Marx morreu, em 1883, milhões de trabalhadores já engrossavam os sindicatos e partidos operários de inspiração marxista.
Batismo de Fogo
A França em 1871 já vivia em grande medida em uma economia capitalista - embora a maioria da população vivesse no campo. Além disso, as transformações políticas burguesas tinham seguido ali um caminho radical e conturbado: a grande Revolução de 1792-1799, as Guerras Napoleônicas, a Revolução de 1830 e a de 1848 (ver o artigo 2 desta série). Em seu conteúdo básico esses movimentos tinham sido antifeudais, democrático-burgueses. Mas tinham também contado com maciça participação das classes trabalhadoras, inclusive o jovem proletariado francês, escolado como nenhum outro em insurreições e barricadas.
Apesar de tantas revoluções, o processo francês terminara truncado, desembocando no golpe de 1852 e no regime imperial "cesarista" (ditatorial) de Napoleão III. Em 1870 "Napoleão, o Pequeno" (apelido dado pelo escritor Victor Hugo) envolve-se numa desastrosa guerra com a recém-unificada Alemanha. Após a derrota estratégica de Sedan, o imperador cai, vem a República, mas a guerra continua e os alemães já estão às portas da capital. Os operários se armam, na Guarda Nacional, para defender Paris. Já o governo republicano de Thiers foge para Versalhes e assina um armistício com os alemães que é uma capitulação.
Uma semana de heroísmo até cair a última barricada
Uma tentativa de desarmar os operários precipita a insurreição. Em 15 de março de 1871 o Comitê Central da Guarda Nacional, em aberto desafio a Thiers, convoca a eleição do Conselho da Comuna, realizada dia 26. Os deputados eleitos ganham o mesmo que um operário comum e seus mandatos podem ser revogados a qualquer momento pelos eleitores. A influência marxista é minoritária no movimento, predominam os blanquistas.
O movimento começa a se estender às cidades de Marselha, Lyon, Toulouse e Saint-Étienne, mas a grande massa camponesa permanece apática. Já o governo de Versalhes, tão cordato no tratamento com o invasor alemão, trata os comuneiros a ferro e fogo. Thiers proclama, declara e repete que "a conciliação é impossível". O exército francês, com a ajuda das tropas alemãs que ainda ocupam os arredores de Paris, entra na cidade em 21 de maio. A resistência comuneira é heróica, mobilizando homens, mulheres, crianças. O combate desigual dura uma semana, até a queda das últimas barricadas nos bairros operários, dia 28. Desde o dia 24, começa o fuzilamento sumário dos revoltosos: o governo fala em 17 mil mortos, outras fontes em até 35 mil. Uma minoria (9.950 homens, 132 mulheres e 80 crianças) obtém o privilégio de comparecer aos conselhos de guerra, que decretam 270 condenações à morte e 7.523 à deportação.
Marx saúda a tentativa de "tomar o céu de assalto"
Termina assim, afogado em sangue, o primeiro e breve ensaio - apenas 74 dias - de um poder político dos trabalhadores. A burguesia européia - mesmo a mais liberal - aplaude a carnificina sem nenhum pudor. Já Marx e a Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional) saúdam a ousadia dos comuneiros ao tentarem "tomar o céu de assalto". Marx estuda detidamente a experiência no livrete A guerra civil na França, aprendendo com ela, especialmente, a necessidade da revolução "quebrar" a máquina estatal do velho regime, construindo um novo aparelho de Estado, com um novo conteúdo de classe.
A Comuna serve de batismo de fogo para a luta do proletariado. A onda repressiva se espalha por outros países e termina obrigando a dissolução da Internacional. Mas o heroísmo e a dignidade dos derrotados, em contraste com a sanha assassina dos vitoriosos, contribuem fortemente para lançar luz sobre "a guerra civil mais ou menos subterrânea" (palavras do Manifesto comunista) que dilacera a sociedade moderna.
Acúmulo de Forças
A fase entre a Comuna de Paris (1871) e a I Guerra Mundial (1914) foi de desenvolvimento relativamente pacífico do capitalismo. Uma burguesia cada vez mais possante enriqueceu "pacificamente", às custas de um proletariado cada vez mais numeroso. As guerras e revoluções ficaram confinadas na periferia do sistema.
O movimento operário inventa os partidos
Para o movimento operário e socialista esta foi uma fase de acúmulo de forças. O crescimento numérico e a relativa prosperidade industrial permitiam-lhe avanços, na economia e na política.
Os sindicatos cresciam em tamanho e prestígio. Greves e manifestações popularizavam - e, às vezes, impunham - a causa dos direitos trabalhistas, tendo como carro-chefe a luta pela jornada de oito horas: ao nascer, em 1890, o 1º de Maio era uma espécie de dia de greve geral internacional pelas oito horas. A extensão do direito de voto (embora quase sempre só para os homens) abria brechas para a participação dos trabalhadores na política institucional. A I Internacional dos Trabalhadores, sob forte perseguição policial, fora dissolvida em 1876, mas em 1889 nascia a II Internacional. Na sua base estavam os partidos operários, de orientação ou ao menos sob influência marxista, em geral adotando o nome de social-democratas. O padrão dos partidos modernos, do século 20, nasceu sobretudo dessas experiências.
O Partido Operário Social-Democrata da Alemanha (SPD), fundado em 1869, era o mais importante: mais sólido teoricamente, mais enraizado nos trabalhadores, nos sindicatos e entidades populares, com organização mais estruturada, imprensa mais ativa e uma legião de eleitores em rápido crescimento. Em 1871 o SPD tinha pouco mais de 1% do eleitorado alemão; em 1877, 7%. Em 1878-1890, o governo perseguiu-o com a lei contra o socialista, manteve encarcerado por cinco anos seu líder, August Bebel, mas o tiro saiu pela culatra: os votos social-democratas subiram para 20% do total em 1890 e 35% (110 deputados) em 1912.
Na virada para o século 20, o clima entre os socialistas era otimista: os trabalhadores continuariam crescendo em número, avançando em seus direitos, elevando sua consciência e organização… até realizar mais ou menos tranqüilamente, pela própria lógica desse avanço, a proposta do Manifesto comunista.
Surge o revisionismo: "O movimento é tudo…"
O conflito entre revolucionários e revisionistas mostraria que as coisas não eram tão simples. Ele veio à tona em 1899, quando o dirigente do SPD Eduard Bernstein publicou o livro O socialismo teórico e o socialismo prático.
Sem romper às claras com o marxismo, Bernstein pregava a revisão (daí o termo revisionismo) da sua essência revolucionária: julgava que o capitalismo se capacitara a superar suas crises, que o socialismo era possível mas não inevitável, e seria fruto da acumulação gradual e pacífica de pequenas conquistas. Seu lema - "O movimento é tudo, o objetivo, nada" - sintetizava o conteúdo de todas as tendências reformistas no movimento operário.
Contra Bernstein ergueram-se numerosas vozes, desde o então prestigiado Karl Kautsky e a jovem Rosa Luxemburgo, no próprio SPD, até Lênin, na Rússia. Ao menos na teoria, o marxismo revolucionário venceu essa primeira batalha contra o revisionismo. A fase de desenvolvimento relativamente pacífico do capitalismo levara o movimento a certa acomodação. Quando a I Guerra inaugurou uma nova fase, de turbulência e crise revolucionária, o dilema entre o caminho da revolução e o do reformismo retornou com toda força, abrindo a primeira grande divisão do movimento.