terça-feira, 20 de maio de 2008

História da Luta Pelo Socialismo - III

O mundo sob o imperialismo
Na virada para o século 20, o mundo parecia relativamente tranqüilo (ver o artigo 6 desta série), mas era só aparência. Nas profundezas da base econômica, ocorriam transformações de grande vulto, destinadas a fazer a tranqüilidade saltar pelos ares. O capitalismo entrava em uma nova etapa, a do imperialismo.
Hoje, esta palavra ganhou uma carga ideológica tão forte que quem a profere é logo excomungado pelo "pensamento único" neoliberal. Há cem anos, porém, imperialismo era um termo de uso geral , inclusive pelos círculos oficiais imperialistas, e também por inúmeros estudiosos do fenômeno. Entre estes, merece destaque o dirigente marxista Vladimir Ilich - que usava o "nome de guerra" Lênin -, autor do livro O imperialismo, fase suprema do capitalismo (1916).
O capitalismo da época dos monopólios
Em resumo, Lênin encarava o imperialismo não como uma política, arquitetada pelos governantes das grandes potências, mas como uma realidade objetiva, fruto inevitável do próprio desenvolvimento capitalista. O capital, pelos mecanismos da concorrência no mercado, tende a se concentrar e centralizar. Já no fim do século 19 isso engendrara enormes conglomerados empresariais, com atuação global, na época chamados trustes, mais tarde multinacionais. Com uns poucos mega-grupos controlando os ramos-chave da produção, a livre concorrência dos velhos tempos cedia lugar a uma economia dos monopólios. O imperialismo - dizia Lênin - é o capitalismo da época dos monopólios. Os grandes grupos industriais foram também fundindo seus capitais com os dos grandes bancos, gerando o capital financeiro - uma poderosa oligarquia, verdadeira nata da burguesia.
Os monopólios atuavam no mundo todo, sem fronteiras. Além de exportarem produtos, passaram à exportação de capitais, inclusive na vasta periferia asiática, africana e latino-americana. O planeta foi repartido entre as mega-empresas. E, para garantir maiores privilégios, elas levaram os governantes de seus países a dominarem os países periféricos também politicamente. A forma típica de domínio era o colonialismo, em que as metrópoles governavam diretamente suas áreas de influência. Mas, já então, países formalmente independentes, como a China ou o Brasil, na prática caíam na "esfera de influência" de uma ou várias potências.
A guerra e as crises revolucionárias
Chegou um momento em que o mundo inteiro estava dividido entre as potências imperialistas - Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França, Itália, Japão e, com atraso, a Rússia. A expansão dos monopólios reclamava mais e mais domínios, porém não havia para onde se expandir a não ser avançando sobre áreas que já tinham "dono". Os conflitos decorrentes daí levaram à Grande Guerra (a I Guerra Mundial), que ceifou perto de 20 milhões de vidas entre 1914 e 1918.
O imperialismo e a guerra tiveram enorme impacto no movimento operário e socialista. Ao lado da contradição entre o capital e o trabalho, pelo menos duas outras entravam na ordem do dia: a que opõe os países dependentes às metrópoles; e a que opõe as potências e blocos imperialistas entre si. Era preciso enfrentar problemas completamente novos. A fase de desenvolvimento gradual e mais ou menos pacífico acabara. Com a guerra, crises revolucionárias instalaram-se em numerosos países. Os socialistas estavam chamados a, finalmente, realizarem o programa revolucionário do Manifesto comunista. Mas para isso deveriam primeiro superar sua própria crise interna, como veremos na próxima edição.
1914: a Grande Divisão
A Guerra de 1914-18 não foi surpresa. A II Internacional Socialista há muito debatia o tema, assumindo uma atitude internacionalista: os trabalhadores não deviam se matar uns aos outros em defesa dos interesses de "suas" burguesias, mas sim se opor à carnificina por todos os meios, sob o lema "guerra à guerra".
Porém, quando o conflito começou, aumentou brutalmente a pressão guerreira de cada bloco burguês sobre "seus" trabalhadores. E os partidos da II Internacional racharam de alto a baixo, em três tendências principais e incontáveis nuances.
A ala chauvinista, a de centro, a internacionalista
Em quase toda parte a maioria dos social-democratas aderiu à febre belicista: os alemães alegavam a necessidade de combater o absolutismo russo; os franceses, a urgência de libertar os povos oprimidos pelos impérios austríaco e otomano. Cada um tinha sua boa desculpa. A votação dos créditos especiais de guerra simbolizou essa atitude social-chauvinista (do francês chauvin, nacionalista reacionário, adepto do lema "Minha pátria, certa ou errada").
Uma facção de centro, minoritária mas com nomes famosos como Kautsky (ver o artigo 6), pregava a volta da paz, sem levar em conta as causas de fundo do conflito inter-imperialista. Tentava, em vão, colar os cacos da II Internacional.
Por fim, a ala esquerda manteve o internacionalismo. Propunha que os operários voltassem as armas contra "seus" burgueses, transformassem a guerra imperialista em guerra revolucionária. E denunciava sem piedade os social-chauvinistas e centristas.
Esta tendência era minoritária. Na Alemanha, a votação dos créditos de guerra só teve o voto contrário de um deputado, o jovem Karl Liebknecht - que em 1916 fundou com Rosa Luxemburgo a Liga Espártaco. Sua força era maior na Bulgária e especialmente na Rússia.
O papel do bolchevismo russo e de Lênin
A Rússia, um imenso império semi-asiático, atrasado mas em rápida industrialização, vivia sob a tirania dos tzares. Em 1905 passara por uma grande revolução operária e camponesa, projetando-se como referência internacional. O movimento operário e o partido marxista eram jovens, muito perseguidos, mas vigorosos. Havia também um ativo partido de base camponesa, o Social-Revolucionário.
A esquerda era forte na Rússia, tanto que fora apelidada de bolchevique (maioria). Tinha ligação de massas, imprensa atuante, tradição de luta em condições difíceis, a experiência de 1905 e uma direção muito firme, onde avultava a figura de Lênin.
A luta entre reformistas e revolucionários seguira ali um caminho próprio, mais nítido e precoce. O choque de idéias já era aberto em 1902, quando Lênin escreveu Que fazer?. Desde a Conferência de Praga (1910) os bolcheviques tinham sua organização própria , separada dos mencheviques (minoria).
Face à cisão do movimento, Lênin e os bolcheviques proclamaram as claras a "falência da Internacional" e a necessidade de se criar outra. Em relação à guerra, defendiam a luta pela derrota da "sua" burguesia.
Depois da histeria, o cansaço e a revolta
No início da guerra, os internacionalistas ficaram isolados. Uma ensurdecedora propaganda belicista embriagava as massas. Militantes bolcheviques linchados ao fazerem propaganda entre os soldados.
Esse clima foi mudando conforme o conflito se arrastava, com seu cortejo de mortes e mutilações, fome e barbárie. A histeria dos primeiros anos transformou-se em cansaço e a seguir em revolta. A esquerda começou a ganhar adeptos. Em 1917 passaria à ofensiva, tendo a Rússia como centro.
A Revolução de Outubro
Em fevereiro de 1917 uma revolução popular derrubou o Tzar. Sus forças motrizes foram os operários, camponeses e soldados (na maioria, camponeses fardados); as formas de luta, greve geral, protesto de massas, rebelião na tropa.
Nascem os soviets exemplo de democracia direta
A Rússia saiu da tirania tzarista para uma fervilhante liberdade. Os exilados retornaram. O governo passou aos cadetes (partido liberal-burguês, de oposição moderada) e em maio aos social-revolucionários e mencheviques.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores criavam os soviets (conselhos). Nascidos na Revolução de 1905, eles eram uma organização revolucionária de massas, ágil, desburocratizada, uma típica democracia direta, onde o trabalhador não só elegia representantes, mas participava. Agiam como verdadeiro poder paralelo.
Os soviets exprimiam a revolta dos trabalhadores com uma revolução que não resolvera seus problemas. Em especial, exigiam o fim da guerra. Após novas derrotas no front, as enormes Jornadas de Julho mostraram que o ímpeto revolucionário russo estava longe do fim. O livro Dez dias que abalaram o mundo, do jornalista norte-americano John Reed, reporta o clima reinante.Da revolução democrática à revolução socialista
Após a Revolução de Fevereiro, os bolcheviques ainda eram minoritários. Até no Soviet de Petrogrado não chegavam a 20% dos votos. Essa correlação de forças se inverteu com uma rapidez que só a crise revolucionária permite.
Lênin voltou do exílio dando vivas ao socialismo. Defendeu, nas Teses de abril, que a revolução democrático-burguesa bem ou mal estava feita, era hora de passar à revolução socialista, sob o lema "Todo o poder aos soviets". Outro lema, "Paz, pão e terra", exprimia as tarefas imediatas da revolução. Em agosto, Leon Trotsky, recém-incorporado aos bolcheviques, foi eleito dirigente do Soviet de Petrogrado. A ala esquerda dos social-revolucionários aliou-se aos comunistas. Eram sinais de que os trabalhadores aprendiam com sua experiência.
Afora os soviets havia outro poder paralelo, da ultra-direita. O general tzarista Lavr Kornílov, chefe supremo do exército, rebelou-se em agosto visando restaurar o velho regime, fracassando devido à deserção de suas tropas. O episódio da "kornilovada" desmoralizou de vez o governo, que passara ao social-revolucionário de direita Alexandr Kerensky.
Estavam maduras as condições para transformar o lema "Todo o poder aos soviets", de palavra-de-ordem de agitação em palavra-de-ordem de ação, e em realidade.
No dia 7 de novembro (25 de outubro no antigo calendário russo), os marinheiros rebeldes do cruzador Aurora deram o sinal (uma salva de tiros). Houve resistência na tomada do Palácio de Inverno, sede do governo (descrita no belo filme Outubro, de Sergei Eisenstein), mas a insurreição triunfou nas maiores cidades com relativa facilidade, após poucos dias e uma centena de mortes. Seu primeiro decreto foi a reforma agrária entregando a terra aos que a trabalham. Em seguida, começaram as conversações de paz em separado com a Alemanha.
O verdadeiro enfrentamento veio depois: Kornílov e outros generais tzaristas reuniram os brancos (anti-bolcheviques, inclusive mencheviques e social-revolucionários) e tropas de 14 países na Guerra Civil. Mas trabalhadores e o novo Exército Vermelho, exaustos, e famintos, dessa vez tinham por que lutar. Após três anos de sacrifícios e heroísmo, a revolução antevista por Marx consolidava seu triunfo no mais vasto país da Terra.
A Ofensiva Nazifascista
A maré revolucionária de 1917 refluiu em 1923. O único estado socialista que vingou foi o soviético (afora a Mongólia). O capitalismo estava longe de se afiançar. Em 1929 mergulhou na Grande Depressão, que foi até emendar com a II Guerra Mundial (1939-45): falências em massa, colapso no comércio, desemprego nunca visto. No entanto, a crise não teve uma saída pela esquerda. Ao contrário, prevaleceu a resposta de ultra-direita, o fascismo.
Nos anos 20-30 os regimes fascistas se alastram
O fascismo é o nome da corrente de Benito Mussolini, que se impôs na Itália em 1922-44 (o nome vem do italiano fascio, feixe). Em sentido mais amplo, designa toda a onda de extrema direita que se alastrou na Europa nos anos 20-30 - de Portugal de Salazar à Polônia do marechal Pilduski (e influenciou o Estado Novo no Brasil). Outra designação, nazi-fascismo, indica também a principal variante fascista, o nazismo, que triunfou na Alemanha em 1933 com a ascensão de Adolf Hitler.
Na origem, o fascismo italiano e o nazismo alemão foram movimentos de massas, até com algum parentesco com as esquerdas. Mas logo assumiram uma postura ultra-conservadora, embora com bases em especial nas camadas médias empobrecidas pela crise e nos trabalhadores desempregados e desorganizados. Toda a ala direita das classes dominantes européias, assombrada pelo fantasma do comunismo, apostou no fascismo ou simplesmente aderiu a ele.
A ditadura mais terrorista do grande capital
Duas características definem o conteúdo do fascismo: o chauvinismo e o terrorismo.
O chauvinismo (de Chauvin, personificação, na França, do nacionalista fanático belicoso) explorava sentimentos nacionais, dando-lhes um sentido xenófobo e com freqüência racista. Exprimia os interesses das burguesias européias derrotadas na I Guerra Mundial - sobretudo a grande burguesia alemã.
O terrorismo se exprimia na pregação totalitária, antiparlamentar, anti-igualitária, antidemocrática. Não tolerava qualquer oposição e exigia cega obediência ao chefe (duce na Itália, fuhrer na Alemanha). Desde o início os nazifascistas declararam guerra ao comunismo, que consideravam seu pior inimigo. Incontáveis militantes foram encarcerados e assassinados. Na Alemanha, onde o Partido Comunista elegeu 100 deputados em 1932, Hitler logo que chegou ao governo montou uma farsa judicial para culpar o secretário-geral da III Internacional, o búlgaro George Dimitrof (1882-1949) pelo incêndio do Reichtag (parlamento). A farsa terminou em fiasco; Dimitrof, que fez sua própria defesa, foi libertado, mas a caça aos comunistas prosseguiu.
A política de frente da Internacional Comunista
O 7º Congresso da Internacional Comunista, (1935) traçou a linha geral para enfrentar essa ofensiva, sintetizada no informe de Dimitrof. A nova linha propunha a unidade antifascista. Preconizava a frente única (no seio da classe operária) e a frente popular (em plano mais) e o fim da fase de enfrentamento entre comunistas e social-democratas, que, ao cindir o movimento operário, facilitara a escalada fascista (caso da Alemanha).
Esta linha levou à vitória da esquerda na França, inspirou a heróica resistência da República Espanhola durante a Guerra Civil (vencida pelo fascista Franco) e repercutiu no Brasil, na formação da Aliança Nacional Libertadora. Orientou a Resistência nos países ocupados pelo Eixo durante a II Guerra. E inclui elementos que até hoje devem ser levados em conta - por exemplo na resistência à ofensiva neoliberal, que em vários aspectos se assemelha à ofensiva nazifascista.
A Guerra Antifascista
A ofensiva nazifascista assumiu, sobretudo após 1939, a forma de guerra de conquista - a II Guerra Mundial, maior conflito bélico da história. Após testar suas armas e tropas na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), as potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) trataram de impor uma redivisão do mundo sob sua hegemonia. A Alemanha hitlerista em poucos meses de blitzkrieg (guerra relâmpago) dominou grande parte da Europa. Em 1941, lançou o grosso de seus exércitos contra a União Soviética, violando o acordo de não-agressão de 1939.
O movimento operário, os social-democratas e principalmente os comunistas eram o alvo principal da fúria nazifascista. O dirigente comunista checo Júlio Fuchik deixou um eloqüente testemunho desta sanha - e da luta contra ela - no livro Testamento sob a forca. Em contrapartida, os operários conscientes estiveram entre os primeiros que se lançaram à Resistência. O combate aos nazistas e aos Quisling (nome de um fascista norueguês, sinônimo de colaboracionista) recorria a todas as formas: da participação nos sindicatos fascistas - para manter os vínculos com as massas - às ações clandestinas de propaganda, sabotagem e guerrilha. Na URSS a resistência ficou conhecida como Grande Guerra Patriótica - nome que indica uma flexão política, pois chamava à luta não só os partidários do socialismo, mas todos que desejassem enfrentar o invasor.