sábado, 17 de maio de 2008

Mobilizar pelo fim do fator previdenciário

Por João Batista Lemos*
A aprovação do projeto de Lei 296/03, que põe fim ao fator previdenciário no Senado, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), contempla uma reivindicação importante do movimento sindical e pode ser considerada uma grande vitória da nossa classe trabalhadora. Tal vitória, porém, corre o risco de ser revertida na Câmara Federal ou, ainda, submetida ao veto presidencial, caso seja aprovada pelos deputados. O movimento sindical deve ficar em estado de alerta, mobilizar suas bases e pressionar os parlamentares e o governo para consolidar a vitória obtida no Senado.

O fator previdenciário é, na realidade, uma fórmula ardilosa inventada pelo governo FHC pare reduzir o valor das aposentadorias. Foi instituído através da Lei 9876, aprovada em novembro de 1999 com o voto contrário dos partidos de esquerda e de todos os parlamentares que se opuseram às políticas neoliberais dos tucanos. De acordo com o senador Paulo Paim, que é um político corajoso e um defensor intransigente dos interesses da classe trabalhadora, o fator já reduz em 40% o valor real das novas aposentadorias e subtraiu nada menos que 10 bilhões de reais dos trabalhadores desde que foi criado.
A depreciação das aposentadorias enfraquece a Previdência Pública e fortalece o processo de crescente privatização de sistema previdenciário. A CTB defende a Previdência Pública, rejeita a privatização e entende que a aposentadoria deve ser integral, de valor equivalente ao salário mais alto recebido pelo trabalhador e com reajustes iguais aos obtidos por quem está ativo, conforme já ocorre no setor público.
Concentração da renda
Uma análise mais atenta do orçamento público revela que o fator previdenciário funciona como um instrumento de redistribuição da renda nacional em detrimento do trabalho e em benefício do capital financeiro, uma vez que a economia de gastos governamentais tem por destino o superávit primário formado para pagar os juros da dívida interna. Seu principal efeito é diminuir a participação relativa do trabalho no PIB, consolidando uma tendência aprofundada pelo neoliberalismo, que contradiz o espírito da proposta apresentada às centrais sindicais pelo ministro Mangabeira Unger, da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, que realça a necessidade de elevar a participação dos salários e outros rendimentos auferidos pela classe trabalhadora no PIB.
Todavia, setores do governo, respaldados pela mídia capitalista, deflagraram uma forte ofensiva política para reverter na Câmara a decisão do Senado e manter o famigerado redutor das aposentadorias. Fala-se também na hipótese de veto presidencial se o projeto de Paulo Paim for ratificado pelos deputados. Recorre-se a falsos e surrados argumentos neoliberais em defesa de uma posição reacionária, que agride de maneira frontal os interesses dos trabalhadoras e trabalhadoras, sobretudo os de menor renda. Levanta-se o espectro do déficit da Previdência e da gastança do Estado.
Argumentos falsos
O próprio presidente Lula já alertou que a noção corrente de déficit previdenciário é falsa. Quando se consideram as fontes criadas pela Constituição de 1988 para financiar a seguridade social (Confins, CSLL e outras ameaçadas pela proposta de reforma tributária), a conclusão que se impõe é outra: as contas da Previdência são superavitárias e o saldo positivo chegou a 62 bilhões de reais em 2007, segundo cálculos apresentados pelo senador Paim, que também apontam uma renúncia fiscal de 50 bilhões de dólares relativa à contribuição previdenciária do patronato nos últimos 10 anos.
A idéia de que os gastos públicos no Brasil são excessivos, difundida pelos arautos do "Estado mínimo", também não corresponde à realidade dos fatos. A realização de superávits primários indica, por si só, que os governos gastam e investem menos do que arrecadam. O problema está no pagamento dos juros da dívida pública, que consomem mais de 160 bilhões de reais por ano, promovem o chamado déficit nominal do setor público e aumentam o estoque da dívida acumulada pelo Estado.
Que os ricos paguem
Se é imperativo reduzir despesas que se corte na conta financeira, acabando com a autonomia que, de fato, é hoje desfrutada pelo Banco Central, reduzindo os juros e os lucros extorsivos apropriados pela oligarquia financeira parasitária do erário. O ajuste das contas públicas deve ser pago pelos ricos, em especial pela oligarquia financeira. Não é aceitável que o custo seja novamente jogado sobre as costas largas da classe trabalhadora. O fator previdenciário é um instrumento que reforça a concentração de rendas, as desigualdades e as injustiças que já são gritantes, escandalosas.
Estudos divulgados recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revelam que os 10% mais ricos concentram 74,5% da riqueza nacional. Além disto, de acordo com o presidente do Instituto, o valoroso economista Marcio Polchmann, os brasileiros pobres pagam 44% a mais em imposto, em proporção à sua renda, que os ricos. "Os dados mostram que o Brasil, a despeito das mudanças políticas, continua sem alteração nas desigualdades estruturais", observou Polchmann.
Luta de classes
Como pano de fundo dos argumentos prós e contras o fator previdenciário ocultam-se os interesses conflitantes das classes sociais. O fim do redutor das aposentadorias eleva a participação da renda da classe trabalhadora no PIB, mas parece comprometer as metas fiscais restritivas estabelecidas na política econômica para satisfazer a ganância da oligarquia financeira. Trata-se de uma luta entre capital e trabalho. É em nome da sacrossanta política macroeconômica de viés neoliberal que se quer manter o fator previdenciário.
Neste embate os representantes da classe trabalhadora não podem vacilar. É preciso cerrar fileiras em defesa dos interesses dos aposentados. O fórum das centrais deve colocar o tema no topo da sua agenda para os próximos dias, semanas ou meses até a votação na Câmara Federal e sanção presidencial; pressionar os parlamentares, incluir a exigência do fim do fator previdenciário entre as bandeiras do Dia Nacional de Lutas e Mobilizações (28 de Maio), além de promover outras manifestações unificadas para consolidar a vitória obtida em abril no Senado.

*Secretário adjunto de relações internacionais da CTB