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A História de uma Grande Luta
A Classe Operária passa a publicar uma série sobre a História da luta pelo socialismo. Cada edição enfocará um episódio, um tema, um aspecto, um capítulo desta gigantesca epopéia dos assalariados para libertarem a si próprios e a toda a humanidade.
O método de análise do marxismo é um grande método. Lênin dizia, já em 1919: "O mais seguro em ciências sociais, o mais necessário para adquirirmos realmente o hábito de abordar com acerto o problema, sem nos perdermos em um monte de miudezas ou na enorme quantidade de conceitos em luta, o mais importante para abordarmos a questão de um ponto de vista científico é não esquecermos a ligação histórica fundamental, considerarmos cada questão sob o ponto de vista de como surgiu aquele fenômeno histórico, quais as etapas principais que ele atravessou no seu desenvolvimento, até vermos em que ele se transformou na atualidade".
Como veremos, nossa luta renasce sempre
Poderíamos dizer que este método nos mostra "o filme" e não apenas "a fotografia". "A fotografia" é estática, parada, e neste sentido sempre enganosa. Já "o filme" é dinâmico, mostra as coisas no seu ininterrupto desenvolvimento, permite descobrir as suas tendências.
O tema que nos ocupará é uma grande história de uma grande luta, que abarca todo o planeta e não conhece um minuto de trégua. É a obra coletiva de incontáveis estômagos famintos, mãos hábeis, corações generosos, cérebros talentosos, criativos e ousados. O capitalismo, que enxerga o seu fim como se fosse o fim do mundo, emprega contra ela todos os seus recursos. Enfrentamos, em um combate desigual, o poder conjugado do dinheiro, dos meios de comunicação de massas, do aparato estatal, da repressão e quando preciso do terror. No entanto, como veremos, nossa luta renasce sempre, empurrada pelas contradições do próprio capitalismo.
Nossa série evitará ao máximo as aborrecidas listas de nomes e datas que são o pavor de todo estudante. Falará de grandes homens (e grandes mulheres!), mas sobretudo das multidões anônimas, das grandes massas, dos personagens coletivos que são os grandes heróis desta epopéia. Acompanhará os movimentos, greves, batalhas sociais e políticas, insurreições e guerras, sem esquecer a história das idéias, das polêmicas, das teorias e da luta teórica. Tratará dos avanços, êxitos e vitórias, mas também dos retrocessos, dos erros e derrotas, extraindo tanto de uns como de outros os ensinamentos que trouxeram.
Um convite a enfrentar a opressão cultural
Procuraremos usar uma linguagem acessível inclusive aos companheiros que dão seus primeiros passos na luta. Sabemos que a tarefa nem sempre é fácil. Uma das cargas mais sufocantes que pesam sobre nosso povo é a da opressão cultural. Durante séculos e séculos o trabalhador brasileiro foi proibido de estudar. O primeiro panfleto da nossa história surgiu há apenas 200 anos, na Conjuração Baiana, revolucionária, abolicionista e republicana. A primeira escola aberta a escravos surgiu há 160 anos, no quilombo maranhense do Itapicuru, durante a rebelião popular da Balaiada. A primeira edição brasileira do Manifesto do Partido Comunista só veio à luz em 1924, com 76 anos de atraso. Enfrentar e vencer essa opressão cultural é uma frente da luta de classes tão importante como a da luta econômico-social e a da luta política. E esperamos que esta breve História da luta pelo socialismo contribua neste sentido.
Uma tarefa desta ordem reclama mais que um esforço individual para ser cumprida a contento. E uma forma de auxiliá-la é enviar à Classe, ou à Comissão de Formação, todas as dúvidas, perguntas, críticas, opiniões e sugestões.
Dores do Parto de uma Classe
Estamos na Inglaterra do século 18: uma revolução tecnológica, econômica e social sacode a maior potência comercial da época. O camponês é expulso da terra. O artesão se arruina, vencido pela concorrência da indústria. Diversos progressos técnicos impulsionam a mudança: a máquina a vapor, a máquina de fiar algodão, o tear mecânico. Em 1785 nasce a primeira indústria, com a produção multiplicada pelas máquinas e pela socialização do trabalho (cada trabalhador realiza determinada tarefa). A inovação prova sua superioridade. Em 1837 o socialista Louis Blanc deu a este movimento o nome de Revolução Industrial.
Ocorre o divórcio entre propriedade e trabalho
Antes da Revolução Industrial, muitos trabalhadores ganhavam a vida por conta própria, com seus próprios meios: o camponês tinha sua terra, o tecelão, seu tear, o ferreiro, sua oficina. Trabalho e propriedade estavam casados, integrados na figura do pequeno trabalhador-proprietário.
A Revolução Industrial acaba com isso. Uma fábrica custa muito dinheiro, e exige muitos braços para funcionar. Ocorre então o divórcio entre a propriedade e o trabalho. A propriedade fica com a burguesia, a classe dos proprietários capitalista. O trabalho fica com o proletariado, a classe dos trabalhadores que ganham a vida vendendo aos capitalistas o único bem que lhes resta: a força dos seus braços e das suas mentes. O trabalho assalariado se instala sobretudo nas fábricas têxteis, minas, transporte marítimo e ferroviário; os operários desses ramos formam o núcleo inicial do proletariado.
A Revolução Industrial é um inferno para o ex-artesão ou camponês. Ele perde a independência, é o patrão quem decide o que produzir, como e quando. A jornada de trabalho atinge até 17 horas diárias, seis dias por semana. Só em 1810 uma lei inglesa a reduz, no caso das mulheres e crianças, para dez horas. Não há descanso remunerado, férias, aposentadoria, amparo em caso de doença ou acidente. Os lares operários lembram nossas favelas. A alimentação é a base de batatas, não raro só batatas. O jovem Engels descreve o quadro em A situação da classe operária na Inglaterra (1845): nas cidades industriais, metade das crianças morre antes dos cinco anos. Morre também o grêmio corporativo, multisecular forma de organização dos trabalhadores. A perplexidade e o desespero contagiam a classe recém-nascida. Miséria, mendicância, alcoolismo, prostituição, criminalidade e suicídios se alastram.
Mas a legião dos proletários continua a crescer, e não só na Inglaterra. Lenta e dolorosamente, eles constatam que não há caminho de volta. Pertencem a uma nova classe social. Precisam de novos caminhos para defenderem seus novos interesses de classe. Durante duas gerações debatem-se em busca desses caminhos. Atacam as máquinas, no movimento luddista ( de Ned ou King Ludd, nome do seu iniciador). Seitas religiosas e campanhas de reerguimento moral indicam que a salvação está na temperança e na abstinência. Muitos, desesperados, fazem do crime o seu protesto. Só em 1824 a lei libera a associação em sindicatos, e as greves tomam impulso. A partir daí, o sindicato e a greve se afirmam como armas indispensáveis à nova classe.
A greve e o sindicato, seu valor e seus limites
No entanto, estas armas, feitas para resistir à exploração burguesa, não conseguem acabar com ela. Logo fica clara a necessidade de outras. Ainda na Inglaterra, ganha força até a década de 1840 o cartismo - primeiro movimento político do proletariado, reivindicando o direito de voto, na época negado aos pobres. Na França, os tecelões de Lyon partem para a rebelião aberta em 1831 e 1834. Os operários da Boêmia e da Silésia seguem o mesmo rumo em 1844. A nova classe não se contenta em lutar apenas para ser menos explorada.
O Pensamento Socialista Pré-1848
Há muito séculos, pensadores avançados como Thomas Morus, autor de Utopia (1518), sonham com uma sociedade comunista e fraterna. Estas idéias ganham força com a Revolução Industrial na Inglaterra e sobretudo a Revolução Francesa de 1792. A saída socializante começa com a Conspiração dos Iguais, esmagada com a decapitação de seu líder, François Babeuf, em 1797.
Primeiras denúncias da ordem social burguesa
Henri de Saint-Simon (1760-1827) é um desses teóricos. Nascido conde, renuncia ao título. Aos 17 anos luta na Guerra de Independência dos EUA. Volta à França, denuncia em seus escritos as "classes parasitárias", e enaltece as "classes produtoras". Propõe a reconstrução da sociedade e o trabalho social, com base em um plano único.
Charles Fourier (1772-1837), filho de um comerciante francês, aponta com ironia os absurdos da economia de mercado. "Sob o capitalismo, o médico deseja que haja o maior número de doenças, o arquiteto sonha com incêndios que destruam a cidade...". Propõe comunidades de trabalhadores, os falanstérios, criados inclusive em Saí, Santa Catarina (1842) e na Colônia Cecília, Paraná (1891).
Robert Owen (1771-1858), de origem humilde, chega a possuir uma grande fábrica na Escócia . Ali, reduz a jornada de trabalho para 10,5 horas diárias, ergue casas, escolas para os operários, o primeiro jardim-de-infância e a primeira cooperativa. Em 1817 evolui da ação assistencial para a crítica frontal ao capitalismo. Funda, nos EUA, a colônia socialista de Nova Harmonia.
Saint Simon, Fourrier e Owen são considerados os expoentes do socialismo utópico (do grego utopia, que significa nenhum lugar). Ao lado deles, outros buscam a crítica e superação da ordem burguesa. Auguste Blanqui (1805-1881) escolhe a via revolucionária. Tenta várias vezes a tomada do poder na França; perseguido, passa metade da vida no cárcere. Ele e seus discípulos são a força majoritária na Comuna de Paris (1871). Porém o blanquismo confia a revolução não às massas trabalhadoras mas a pequenos grupos conspirativos. Já Pierre Proudhon, tipógrafo na juventude, denuncia o sistema burguês com audácia provocante em O que é a propriedade? ("A propriedade é um roubo"). Mas defende a pequena propriedade agrícola e artesanal, vendo nela o futuro da humanidade. Sua obra, depois de inspirar o anarquismo, tende à conciliação e ao conservadorismo.
Limites e impotência do socialismo utópico
As idéias dessa fase apontam os males do capitalismo, pregam sua superação. Imaginam às vezes em detalhe como será a sociedade futura. Neste sentido, tiveram valor no seu tempo. Mas não compreendem as leis, contradições e tendências da sociedade burguesa. Sobretudo, desconhecem o proletariado enquanto classe capaz de superar o capitalismo. Simpatizam com ele, mas apenas como classe sofredora. Na lugar da luta de classes, confiam no apelo à "razão humana". Saint Simon mistura industriais e operários como "classes produtoras". Fourier busca apoio dos ricos e poderosos, escreve a Napoleão, ao banqueiro Rotschild, publica anúncios nos jornais e espera anos por uma resposta que nunca chega. Os falanstérios de Fourrier, a Nova Harmonia de Owen e outras tentativas de criar miniaturas da nova sociedade também fracassaram.
Essas teorias já mostram seus limites e sua impotência quando em 1848, dois acontecimentos quase simultâneas apontam uma alternativa. De um lado, surge o Manifesto do Partido Comunista, tema do próximo artigo. De outro, explode na França e em toda a Europa o ciclo de revoluções batizado Primavera dos Povos. Dentro dele, nas barricadas de Paris em junho, o proletariado mundial vive seu batismo de fogo como classe independente. Para Marx, elas "foram a primeira grande batalha entre as duas classes que formam a sociedade moderna".
"Proletários, Uni-vos!"
Em fevereiro de 1848, poucos dias antes da onda revolucionária da Primavera dos Povos, saiu do prelo em Londres uma pequena brochura em alemão, com vários erros tipográficos e tiragem de apenas mil exemplares. O texto fora encomendado pela Liga dos Comunistas - um círculo clandestino formado por meio milhar de artesãos e operários, na maioria alemães. Os autores, cujo nome não aparecia na edição original, eram dois jovens intelectuais alemães - Karl Marx, 29 anos de idade, e Friedrich Engels, 27 anos. Era o Manifesto do Partido Comunista.
O sucesso do Manifesto em um primeiro momento foi tão modesto como sua tiragem, mas cresceu irresistivelmente com o correr dos anos. As traduções e edições se sucederam - em 1869 para o russo, e bem mais tarde, em 1923, para os trabalhadores brasileiros, por iniciativa do recém-fundado Partido Comunista do Brasil. Na Europa e no mundo, os setores mais avançados do proletariado e muitos intelectuais progressistas tomavam consciência de que ali estava um grande livro, um dos maiores se não o maior que a humanidade já produzira.
A luta pelo socialismo transforma-se em ciência
O Manifesto foi a pedra fundamental de todo um vasto edifício teórico que ficou conhecido pelo nome de marxismo (contra a vontade de Marx, que preferia o termo socialismo científico). Com ele, a luta dos trabalhadores pelo socialismo elevou-se ao patamar de uma ciência - tendo como ponto de partida o pensamento mais avançado de sua época, a filosofia alemã, a economia política inglesa, o socialismo francês.
Dos filósofos alemães, em especial G. W. Friedrich Hegel, o marxismo tomou a dialética - a concepção que analisa as coisas em seu incessante desenvolvimento, a partir de suas contradições internas. No entanto, pôs a dialética hegeliana "de cabeça para cima", libertando-a de seu vício de origem idealista, para construir assim sua visão do mundo, o materialismo dialético, e da evolução social, o materialismo histórico.
Em economia, o marxismo partiu do pensamento de estudiosos como Adam Smith e David Ricardo, expoentes da escola clássica. Essa escola, surgida na Inglaterra, berço do capitalismo, estava impregnada de uma concepção burguesa mas chegara a conclusões verdadeiras e importantes, como a teoria do valor. Com base nela, e a partir de outra ótica de classe, Marx e Engels desenvolveram a teoria da mais-valia, desvendando o mecanismo da exploração do trabalho pelo capital.
O socialismo pré-1848 florescera sobretudo na França, onde era maior a experiência revolucionária das massas do povo pobre. O marxismo desenvolveu-o, desvencilhou-o das ilusões utópicas, dotou-o de uma base de classe bem definida, de um programa claro e revolucionário.
A teoria e a prática da revolução proletária
O corpo teórico do marxismo, porém, não parou aí. Desde antes mesmo do Manifesto, Marx e Engels haviam proclamado que "os filósofos até hoje se contentaram em explicar o mundo, mas trata-se agora de transformá-lo".
A jovem ciência da revolução proletária nasceu, portanto, em íntima relação com a prática de sua classe. Acompanhava passo a passo a experiência, a vida e a luta dos trabalhadores, extraindo daí ensinamentos sempre renovados para aperfeiçoar-se - e sempre que necessário corrigir-se. Era um guia para a ação, um método que consistia essencialmente na análise concreta da situação concreta. Daí seu caráter vivo e dinâmico, em permanente desenvolvimento.
terça-feira, 6 de maio de 2008
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